12 julho, 2012

Paneleirice Argumentativa (ou como lidar com pessoas fraquinhas de cabeça)

Nação!

Está finalmente online a nossa mais recente tese fúria. É assim meio grandinha, mas não temeis, bicharocas simpáticas e informadas. 

Hoje convidamo-vos a iniciarem connosco mais uma viagem fascinante pelo mundo contemporâneo da cobardice argumentativa. Desta vez, desafiamo-vos a jogarem connosco o jogo:

"Achas que Sabes Amuar? / Quem Quer Ser Cobardolas?"

Neste concurso, observamos bichas cobardes (não necessariamente LGBT) ao longo de 6 desafios enquanto se esperneiam e tentam resistir desesperadamente à desaprovação queer/feminista de uma audiência educamente raivosa.

Conseguirão estes concorrentes sair ilesos das garras das bichas corajosas? Ou ficarão para todo sempre conotados como "as bichinhas tontas" entre os amigos?
A resposta é obviamente intuitiva, mas para mantermos os ratings do blog, só a relevaremos no final do post.

Conta-nos, portanto, amiga bicha, conheces já os horrores de teres mandado (por desacordos ideológicos) um amigo do coração para os lados de monte-môr-o-novo?

É-te familiar esse desastre que advém de se ter uma mão cheia de amigos com corações auto-proclamadamente mais puros que o pipi da Virgem Maria? Sofreste já na pele o apocalipse que é tentar confrontar esses tais amigos com o facto de terem dito uma frase potencialmente ofensiva? Então, sem mais demoras, demos início ao concurso!


(rezamos secretamente para que a credibilidade do blog não morra depois deste momento musical)

O jogo inicia-se sempre em momentos banais das nossas bonitas vidas quotidianas - durante um jantar entre amigos? numa saída à noite com conhecidos? - quando, sem aviso prévio, um dos nossos companheiros de viagem decide presentear-nos com uma pérola de conhecimento social daquelas espectaculares e obviamente ofensivas para toda a gente menos para ele. Imaginemos, por exemplo - como é tão habitual - , que esse comentário vai na linha de "ah! mas os homossexuais têm uma sensibilidade maior para as artes! toda a gente sabe disso!"

O debate começa imediatamente com o contra ataque bloguista:

-Ó Tiago-Maria, espera lá um bocadinho, sabes que é meio tótó dizeres isso, não sabes? Tens consciência de que fazer uma generalização dessas - que não é verdadeira - vai no sentido de reforçar um estereotipo que é meio ofensivo para a comunidade LGBT, certo?

Horror. O que fomos nós fazer!?

E assim começa o primeiro desafio da noite: "O Jogo da Cobrinha Ingénua"

Neste jogo, um concorrente tem menos de um minuto para conseguir mudar de assunto e fazer a audiência esquecer sobre o que se estava a falar. É proibido dizer-se frases que não estejam na negativa e o jogador ganha 10 segundos de bónus se conseguir franzir a sobrancelhas e levantar os ombros enquanto fala. Tudo a postos? Go!

"Mas isto não é um insulto, ter sensibilidade é uma coisa boa! Não tens nada que te sentir ofensid@! Isto não é ofensivo, estás-me a distorcer as palavras! Vá, não exageres..."

A bancada contra-ataca:

Joquinha-João, isso para além de ser falso, é uma estupidez. Qualquer pessoa dentro da comunidade LGBT sabe que isso é tão verdade como qualquer outro estereotipo dos negros, das mulheres, dos judeus, etc... E em que é que fazer generalizações dessas, atribuindo comportamentos padronizados (e incorrectos) a um grupo de pessoas, não é um insulto? Limitar e reduzir as pessoas a concepções estereotipadas daquilo que a sociedade teme, é exactamente aquilo que alimenta a discriminação (ao esquecer o ponto essencial de que a única coisa realmente verdadeira é que somos todos pessoas diferentes e não caixas de grupos sociais que nunca se tocam).

"Mas, mas, mas" - Gonçalo-Teresa tenta ripostar.

A bancada bloguista interrompe de imediato (porque somos espectaculares):

E ainda mais ridículo é quando essas afirmações estão associados a concepções de papeis de género binárias que só reforçam coisas na linha do "os homens gays são na verdade como as mulheres, as mulheres lésbicas são como os homens e estes duas formas de ser são completamente opostas".
Digam-me lá, ignorar que a sexualidade e o género são coisas fluídas e cheias de nuances ainda faz sentido?

E assim chegamos ao desafio número 2: "Palhaço-Espertalhaço"

Aqui, o concorrente tem 5 minutos para reunir um disfarce que lhe dê credibilidade intelectual. O uso de óculos de leitura, a ingestão de cuba-libres ou o acender de cigarros são possíveis escolhas. Por cada citação declamada sem recorrer à internet ganha-se 10 pontos.

"Eu não estou a generalizar! Estou só ter uma opinião baseada nas pessoas gays que conheço. Porque eu noto que isto é verdade! Isso não podes negar!"

O contra-ataque:

Mas ó Joana-Manel, estás a falar de uma amostra auto-seleccionada onde o único critério de escolha é exclusivamente baseado nos teus próprios preconceitos. Do género, se tu já achas à partida que os homens gays são femininos, vais olhar para os homens femininos a pensar que são gays e daí retirar a conclusão de que os homens gays são femininos; profecia auto-realizada?

E depois, mesmo os que conheces são apenas os que fazem, por acaso, parte da tua vida e que escolheram revelar-te a ti a sua sexualidade. Isso não inclui os que, embora também façam parte desse grupo e estejam à tua volta, não o decidiram fazer, ou os que nem sequer sabem que são de facto LGBT.

A não ser que a tua vida toque em todos os estratos sociais e rotinas diárias da população portuguesa e que todas essas pessoas estejam esclarecidas sobre a sua sexualidade e dispostas a partilhar essa informação contigo, generalizações desse género vão sempre acertar longe da verdade.

A Bancada saca de uma carta de ouro!

Por exemplo, concluir que todas as lésbicas jogam futebol baseando-nos exclusivamente no facto de que as duas únicas amigas lésbicas que conhecemos o fazem, ignora o facto de que, provavelmente, talvez existam na realidade 10 mulheres lésbicas à nossa volta que nem sequer desconfiamos invalidando essa estatística. Vale também a pena reparar que socialmente o facto das mulheres lésbicas assumidas já terem, à partida, de lidar com a libertação de alguns dogmas dos papéis de género - por largarem o estigma da "mulher tradicional" - isso talvez também possa ser influência em incentivá-las a explorarem actividades que até então lhes estavam "vedadas", como por exemplo o desporto e o jogar futebol.

No nosso exemplo inicial. (Ronda bonus!)
Vale a pena contra argumentar essa falácia tão, tão, tão comum de que "os homens gays estão mais presentes nas artes do que nas outras indústrias porque têm mais sensibilidade artística".

Não nos esqueçamos do facto de que, no mundo das artes, a possibilidade de uma pessoa se poder assumir com menos repercussões pessoais influencia o quão visíveis as pessoas LGBT são nesse meio. Provavelmente existem tantos homens gays nas artes como na construção civil, mas como o meio é menos intolerante (e a possibilidade de se sofrer violência, discriminação, e risco o de despedimentos é menor) as pessoas têm menos incentivo para se esconderem, e, portanto, exteriormente se passe a imagem de que são mais nesse meio.
Ou, talvez, esse facto também possa ser responsável por atrair mais homens gays para essas indústrias, por ser um meio menos intolerante, e portanto aumente de facto esse número. É também ainda possível que a educação que esta sociedade nos dá - de que os homens gays são possuidores de traços tradicionalmente femininos e que portanto devem ser incentivados a desenvolverem mais-valias artísticas - seja responsável por levar, também, estas pessoas para esse meio.

Desafio seguinte! "A prisão invertida"

Aqui, o concorrente tem de vestir e apertar um colete de forças sozinho em menos de 3 minutos. Pontos bonus se gesticular e falar muito alto!

"E eu não tenho direito a ter uma opinião, não? No posso discordar? LIBERDADE DE EXPRESSÃO! bla bla bla! ACTIVISTAS CASTRADORES!"

A bancada argumenta:

A verdade é que, mais do que a bonita argumentação anterior, o assunto verdadeiramente irritante aqui é que todos nós - pessoas supostamente esclarecidas e inteligentes - estamos mais do que fartos de saber que as generalizações e os estereótipos são errados e perigosos. Certo? Mas, mesmo assim, parece existir todo um mundo infinito de pessoas "informadas" dispostas a gastarem a sua saliva para defenderem todo o tipo de estereótipos como se estivessem a descobrir a pólvora.

Lição: Se temos alguém a dizer-nos que certa generalização é errada e ofensiva para ela (especialmente quando essa pessoa fala de um assunto que conhece pessoalmente e sobre o qual nós não o sentimos na pele), e se nós, em vez de ponderarmos imediatamente retirar aquilo que dissemos e ouvimos o que ela tem para nos explicar, respondemos antes arrogantemente com um "tenho direito a ter uma opinião" quando a verdade é que não temos a humildade para admitir que, também nós, às vezes dizemos coisas estúpidas, provavelmente não vale a pena continuar a discussão.

Ai queres ter uma "opinião", é?
Mas é preciso fazer paralelos com o racismo para as pessoas perceberem o quão estúpidas estas "o-pi-ni-ões" são? Do género, qual é o propósito de eu querer argumentar que, se por acaso aconteceu que tenha sido assaltado duas vezes por pessoas negras, isso me garante o direito de ter a opinião de que todos os negras roubam? "Opiniões" destas valem alguma coisa? Têm alguma validação sociológica ou relevância para serem ditas fora de um contexto fascista?
Não, meus caros. Nenhuma.

Até porque, sim, todos temos direito a ter opiniões, mas como pessoas interessadas que somos em ter conversas convosco, dá-nos jeito que as vossas opiniões sejam opinões minimamente informadas e relativamente interessantes (ou, pelo menos, opiniões que não nos ofendam nem a nós nem às pessoas que nos rodeiam). Got it?

Próximo desafio: "O gira discos ingénuo"

Aqui, os concorrentes têm de falar sem mexer os lábios e dançar uma valsinha em roupa interior.

"Mas isto foi só uma coisa que eu disse que não tem nada a ver com o que eu acredito. As palavras não fazem mal, o que interessa é o que se pensa! Vocês estão sempre à procura de coisinhas para embirrar. Já nem falar se pode!"


Sabes. Temos, pelo menos, uma amiga que discorda contigo.

Já dizia Dale Spender"A linguagem não é neutra. Não é apenas um veículo que transposta ideias. É, ela própria, também modeladora de ideias."

Aquilo que nós dizemos influencia a forma como pensamos não só a nível subconsciente. Por exemplo, quando estamos constantemente a usar a expressão "não sejas menina" como sinónimo de não "sejas cobarde ou fraco", estamos também a reforçar que ser-se mulher é inferior que a ser-se homem, que é justificável que as mulheres sejam usadas como sinónimo de fraco e menos capazes e que, portanto, devam ser tratadas dessa forma.

E mesmo que, como adultos que somos, nos achemos imunes a esses "erros" da linguagem (sinal de um bocadinho falta de humildade, não?), como é no caso das crianças que crescem com estes exemplos e são ensinadas a referir-se a um género com um contexto associado de inferioridade?

Ou, pior, e se deixarmos de pensar só em nós próprios como homens, não têm as mulheres o direito a não quererem que estas expressões e "brincadeiras irrelevantes" não sejam ditas porque carregam estigmas e concepções de género desiguais? Não têm elas o direito a sentirem-se ofendidas e a quererem libertar-se disto, que é acima de tudo, apenas mais uma forma inconsciente de opressão?

Pegando nas palavras do Ill Doctrine sobre quando dizemos coisas ofensivas e não nos vermos como pessoas que pretendem ofender (no caso do sexismo nos rapazes jovens online):

"Muitos destes rapazes, se os desafiares, dir-te-ão que eles não têm na realidade nenhuma opinião especial sobre este assunto e que estavam só a ser cruéis porque é divertido - que não odeiam realmente as mulheres. Eles apenas acham que é engraçado tratar as mulheres como se as odiassem. E isso - quer dizer - primeiro de tudo eles estão a mentir a eles próprios, há claramente mais assunto por detrás disso. E, segundo, essa justificação não faz nada disso ser menos mau. Aliás, apenas alguém que odeia as mulheres e que as vê como algo menos do que humano pensaria que isso é algum tipo de justificação relevante". - link

Avançamos então para o desafio: "O Iceberg"

Aqui, o jogador têm de se vestir de Titanic e tentar convencer a audiência de que não chocou contra nenhum bloco de gelo gigante. Ganha aquele que conseguir ficar à tona da água mais tempo. Os concorrentes ganham pontos cada vez que levantarem o tom de voz, que usarem frases retóricas e se conseguirem inspirar pena na audiência.

"MAS TU ESTÁS A CHAMAR-ME HOMOFÓBICO!? Eu não sou homofóbico, ouviste!? Não me insultes, pá! Eu não te permito isso! Eu sou boa pessoa!"

(1) Não, não te estamos a chamar homofóbico. Embora (2) tu estejas a demonstrar que talvez hajam razões para o fazer. Mas (3) não tinha mal nenhum se o fizessemos porque, na verdade, todos nós somos potencialmente homofóbicos, sendo que todos fomos educados nesta sociedade, e que tudo é um processo de desconstrução da nossa ignorância (espera-se) ingénua.

Mas, contrariamente ao que se acha por aí, não, (4) o facto de nos acharmos super inclusivos e respeitadores não nos garante uma capa mágica que nos impede de fazermos ou dizermos coisas que vão eventualmente contra os nossos ideais. E (5) às vezes nós não percebemos que, de vez em quando, não temos esses ideais e essas argumentações assim tão bem esclarecidas e é importante que alguém nos lembre quando na nossa linguagem estamos a cometer esses erros. (!)

E finalmente, o desafio Final! "A Crucificação"

Os jogadores sobem para cima de uma mesa e ganha aquele que aguentar mais tempo de braços abertos ou começar primeiro a chorar.

"Vocês activistas são sempre assim! Sempre à procura de razões para atacarem as pessoas e sempre a quererem lutar e a entrar em confronto! Só querem é policiar as pessoas e serem arrogantes para se sentirem melhor que nós!"

A bancada faz um silêncio durante breves instantes. Um membro levanta-se, sorri, estica o dedo médio da mão direita e volta a sentar-se.

Fim.

Festa. Confetis. Balões. Parece que bicha é, de facto, tonta. Surpresa!

E é tudo por hoje, caros espectadores/leitores. Obrigado por terem ficado connosco mais uma vez e esperamos do fundo do coração que se tenham sentido educados mas, acima de tudo, entretidos. We aim to please.

Agora, toca a iniciar discussões com todos os vossos amigos para perceberem que na verdade ninguém no mundo vos ama nem entende tanto como o Bichas. <3

Ide, e tratem de ser felizes. 

--
citações originais:
"Language is not neutral. It is not merely a vehicle which carries ideas. It is itself a shaper of ideas" Dale Spender


"a lot of these dudes, if you challenge them, will tell you that they don't have any real feelings about this and that they're just trolling for the fun of it. That they don't really hate women. They just think it's funny to treat women as if they hated them. And that - I mean - first of all, you're lying to yourself, there's clearly more to it than that. And second of all, that doesn't make it any better. Only somebody who hates women and sees them as less than human would think that's a meaningful distinction." https://vimeo.com/4411717

Nenhum comentário:

Postar um comentário