20 janeiro, 2014

Desconstruindo a homofobia de Hugo Soares

fonte: Dezanove
Perguntaram-nos em que é que "discordamos" do texto que o Hugo Soares lançou hoje a defender a sua posição sobre o referendo da adoção e coadoção. "Em tudo" seria a resposta mais honesta, mas se calhar vale a pena, mais uma vez, tentar desconstruir (e desmascarar) a ignorância deste menino da JSD.

i) "Votei contra porque não tinha sido feito, na sociedade portuguesa, debate que demonstrasse qual a sua posição relativamente a estas matérias, ou seja, não me sentia mandatado para decidir."

Há anos que se fala disto, muitos partidos já promoveram e promovem discussões sobre este assunto. Só não ouve quem não se interessa. Este tema está na ordem de trabalhos da maioria de organizações LGBTQ portuguesas. Dizer "não houve debate" quando se demonstrou zero interesse em falar com as pessoas que andam há anos a exigir isto, é cobardia e falta de honestidade. Não é, aliás, a primeira vez que existe uma proposta destas no parlamento. Já em 2010 as propostas originais do Bloco e dos Verdes propunham um casamento não restrito que portanto garantia os mesmos direitos à adoção.

Se o deputado Hugo Soares não se sente "mandatado para decidir", quando o que quer dizer na verdade é que não se sente preparado para aceitar as discussões e consequentes aprovações de projectos que são feitos na Assembleia da República, talvez a melhor opção seja mesmo abandonar a vida politica.

ii) "No Partido Social-Democrata há a salutar tradição de entender que matérias verdadeiramente fraturantes (e que dividem ou, pelo menos, causam reação na sociedade) devem ser referendadas."

Mentira. Ver tudo o que foi decidido este ano por este governo tão incrivelmente "fracturante", e que tantas manifestações deu origem, e que nem por breves instantes este governo achou que era digno de um referendo.

iii) "Foi exatamente isso que aconteceu aquando da interrupção voluntária da gravidez."

Ah e isso é um caso de sucesso? Demorámos uma década para ultrapassar um crime horrível que o Estado estava a cometer contra as mulheres deste país e a olhar para trás achamos que é algo a imitar e comparar? Só se for como exemplo em como empatar as vidas das pessoas até finalmente os seus direitos básicos serem finalmente garantidos.

iv) "A disciplina de voto que se manteve (manteve porque essa é a regra) na proposta de referendo não foi decidida (como é costume) pela direção do grupo parlamentar. Foi o plenário do Grupo Parlamentar do PSD (composto por todos os Deputados) que a decidiu. Com apenas 13 votos contra. E a razão é muito simples: em matérias de consciência, no PSD sempre houve liberdade de voto; em matérias políticas (como é manifestamente a decisão de aprovar o referendo) sempre se seguiu a orientação de voto."

Portanto, houve liberdade de voto porque o plenário do Grupo Parlamentar votou contra a liberdade de voto onde 13 pessoas votaram a favor. Fantástico! Retórica de meia tigela para esconder que, pelo menos, 13 deputados não votaram em consciência, o que invalida todo o argumento. E, mais, a vice-presidente da bancada do PSD de tão votar contra a consciência ainda se demitiu da sua posição.

v) "A nós cabia-nos uma decisão: ou propúnhamos ouvir todos os cidadãos ou não. Foi nosso entendimento que o debate (que foi efectivamente produzido no Grupo de Trabalho criado na Assembleia da República) não ultrapassou, como devia, os quatros muros do parlamento; que devia ser feito na sociedade. Daí o referendo."

Alguém precisa de explicar a este senhor deputado o conceito de "democracia representativa" e o facto de competir à Assembleia da República representar os cidadãos; não promover conversas de café sobre temas de direitos humanos sobre os quais foram consultados peritos sobre os temas e criados grupos de trabalho que se debruçaram sobre o assunto.

Para além do facto de que o referendo só foi proposto quando a proposta passou e portanto não havia desde início esta necessidade de debate público por parte da JSD. "Debate público" é uma palavra de código do Hugo Soares para "não nos agradou que tenham votado a favor". 

E desde quando é que a Assembleia tem "muros"? Não é tudo transmitido em canal aberto na televisão e os documentos resultantes não são públicos? Os cidadãos não podem assistir aos plemários e às discussões?

vi) "Pois bem, quero aqui escrevê-lo, porque já o disse, que não se trata aqui de direitos de quaisquer minorias. Não cedo a esse debate. Com todo o respeito que tenho por quem tem uma orientação sexual diferente da minha - são conhecidas as minhas posições públicas na luta contra a descriminação – não abdico de relegar essa luta para segundo lugar colocando no centro deste debate o que considero que deve estar: as crianças e o seu superior interesse."

Por mais que o Hugo o repita, a mentira não se torna verdade; só é sinal de ignorância e de preguiça. A co-adoção diz respeito a famílias e crianças que já existem. Quando um casal não consegue alargar a parentalidade ao outro parceiro, se alguma coisa acontece à figura parental inicial, é a criança que fica desprotegida.

No caso, por exemplo, desta família, onde é que o direito das crianças está defendido?

E sobre a adoção, o direito às crianças a serem adotadas e  retiradas de instituições sociais também lhes diz respeito é a elas. O problema é que o Hugo e esta malta acham que o interesse das crianças está protegido quando elas são retiradas das suas famílias de facto e mantidas em instituições. O que para além de demonstrar um profundo desconhecimento sobre o que é a vida de uma criança numa instituição social, demonstra uma profunda má fé em continuar a apregoar uma coisa que é exactamente o oposto daquilo que defendem.

E mais, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, num caso em tudo o igual na Áustria condenou o país por não permitir a coadoção a casais do mesmo sexo como uma violação dos direitos humanos. O Hugo Soares está em desacordo com todas os peritos que falam sobre isto, inclusive o TEDH.

E sim, mais uma vez, direitos de minorias não se referendam por maiorias, é um princípio básico que nada tem a ver com a liberdade de expressão ou representação. A Assembleia da República tem o dever de garantir um padrão de Direitos Humanos que é inviolável. Ou corremos o risco de caír em populismos perigosos e ignorantes. Referendávamos a pena de morte e provavelmente ela ganhava. Mas isso é o que queremos? Não. É uma das responsabilidades da nossa democracia proteger os direitos humanos, as minorias e os grupos mais susceptíveis.

vii) "Que o referendo comporta custos: claro que comporta, mas a democracia não tem custos? E esses custos não são superados pela liberdade de cada um poder votar?"

Portanto, não há dinheiro quando se cortam pensões e se atiram as pessoas para viver na miséria e na fome, mas para referendar e tirar direitos humanos básicos a famílias já há, porque pessoalmente somos contra eles. Ou seja, argumentos económicos que aparecem e desaparecem quando dá jeito.

viii) "Uma nota final sobre a JSD. A JSD foi a única estrutura partidária (pelo menos publicamente) que promoveu o debate sobre a co-adopção."

Mentira. Outros partido promoveram outras discussões. O Bloco e a JS, por exemplo, já fizeram e fazem com regularidade debates semelhantes.

ix) "A JSD está unida à volta de uma posição que é tão arrojada como foi aquela de há trinta anos termos defendido o referendo sobre o aborto. Na JSD não há tabus nem medo do debate. Na JSD não há homofóbicos, intolerantes ou retrógrados. Na JSD há liberdade, determinação e coragem. Na JSD não há medos nem barreiras. Por isso queremos que se debata."

Tão arrojada e progressiva que é a JSD! De tal forma arrojada que nos quer manter, nesta matéria, no grupo de 4 países europeus que ainda são contra a coadoção por casais do mesmo sexo. Os outros países "arrojados" e "sem tabus" são a Rússia, a Ucrânia e a Roménia. Tão arrojado que é o retrocesso civilizacional da JSD!

E pior, este argumento do continuar a dizer "não somos homofóbicos, mas.." não funciona. Se não são homofóbicos, então não tentem tirar direitos básicos a pessoas homossexuais (e bissexuais, lésbicas, transgéneras)! 

O que dita aquilo que nós somos são as nossas acções e as nossas crenças, não as fantasias que apregoamos ad eternum sobre nós próprios.

A JSD é homofóbica e todas as pessoas que são contra o direito das pessoas LGBT de constituir família são homofóbicas, ponto. Porquê? Porque recusam o consenso científico que nos explica que não existem razões lógicas para se ser contra este assunto, e se agarram só aos seus preconceitos individuais e ignorância para lutar contra a liberdade dos outros e a igualdade de todos.

x) "Uma palavra de total repulsa a todos aqueles que ainda não sabem o que é viver em Democracia e fazem do insulto, da ameaça bacoca ou do fundamentalismo o argumento. Estes são os que os não valem a pena; para esses pode ficar a certeza: não vergo."

O Hugo Soares aqui perde uns segundos a demonstrar que secretamente sente repulsa por si próprio. "Não vergo", diz ele, que é como quem diz: não evolui, não pensa, não existe. Só lhe falta mesmo desaparecer, para deixar tentar atropelar os direitos das nossas famílias.

Que mais acrescentam?

3 comentários:

  1. Eu acrescentaria que se o menino não se sentia mandatado para votar então não tivesse votado contra em Maio. Não tem legitimidadde para votar a favor mas tem legitimidade para votar contra? Se sente que não tem legitimidade, abstém-se.

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  2. Esta um ótimo texto. Eu remetê-lo-ia para o editorial de algum jornal, a sério!

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